sábado, 13 de dezembro de 2014

Veja São Paulo

O controverso uso da ibogaína no tratamento contra o vício em drogas

Droga alucinógena extraída da raiz de uma planta africana é usada por paulistanos para se livrarem do vício da cocaína, do crack e da heroína



Por cerca de quinze anos, o palestrante Gadyro Nakaya Schmeling, de 36 anos, viveu dominado pela compulsão por cocaína, heroína e crack. Isso deixou nele marcas profundas: morou na Cracolândia por oito meses, roubou e foi preso, fugiu de mais de quarenta internações e chegou a ser acorrentado pelo pai em casa. “Nadafuncionava”, relembra.
Até que conheceu, pela internet, a ibogaína. Com um potente efeito alucinógeno, a substância é extraída da raiz da iboga, uma planta africana. Tem sido usada nos últimos tempos nas terapias de desintoxicação, pois amenizaria os terríveis sintomas da abstinência, a principal causa de recaída dos viciados. “Tomei uma dose única em outubro de 2012. Ela é forte e provoca uma sensação horrível, de morte. Mas nunca mais tive vontade de usar qualquer droga”, conta Schmeling.
A exemplo do que ocorreu com o consultor, várias pessoas na mesma situação estão procurando esse tratamento, ainda bastante controverso para muitos médicos. Entre outros efeitos arriscados, a ibogaína baixa muito a frequência cardíaca do usuário durante o transe, o que pode ser fatal em casos de pacientes com algum problema no coração.
Um dos centros mais conhecidos que oferecem o serviço é o Instituto Brasileiro de Terapias Alternativas (IBTA), em Paulínia, a 119 quilômetros da capital. Um terço de seus pacientes é formado por paulistanos. Ali, o tratamento de desintoxicação custa 7 200 reais e dura cinco dias. Nesse período, são ministradas cinco doses e sessões de terapia.
Segundo a diretoria da clínica, a taxa de sucesso é de 70%. “Não estocamos o produto, tudo é importado sob medida para o paciente”, explica o terapeuta Rogério de Souza, um dos responsáveis pelo local. O comerciante Rodrigo Januário Simões, de 36 anos, passou por lá em 2012. Ele bateu às portas do IBTA para tentar livrar-se do vício de uma década em cocaína. Diz ter ficado surpreso com a eficácia do negócio. “De uma hora para a outra, minha fissura sumiu”, lembra. “Passei a ter nojo da droga.”
Descoberta oficialmente em 1962 peloamericano Howard Lotsof, um adictoem heroína que aos 19 anos estava à caçade um novo “barato”, a substância é aprovada no Canadá, na Nova Zelândia, no México e na maioria dos países da América Central. Ela é contraindicada para pessoas com quadros psicóticos, que usam determinados remédios, como antidepressivos, são alérgicas ou têm problemas cardiovasculares e no fígado.
Seus altos índices de sucesso se devem, de acordo com pesquisadores, a alguns mecanismos de ação. Em um deles, ousuário se desliga do presente e tem aimpressão de sonhar acordado. “É como uma expansão da consciência, você passa a ver a vida de outro jeito e fica mais aberto à mudança”, conta o consultor Schmeling.
Além disso, há uma ação cerebral ainda incerta. As hipóteses mais correntes afirmam que acontece um aumento nas sinapses entre os neurônios e uma reorganização dos neurotransmissores, o que explicaria o fim da fissura.

Por aqui, a substância não é ilegal, mas sua comercialização para finalidades terapêuticas é proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Quando há necessidade de uso do medicamento, entretanto, o órgão regulador autoriza a importação de países onde é legalizado, desde que isso seja feito com prescrição médica e exclusivamente para uso pessoal.
Apesar dos relatos de sucesso, o consumo no Brasil ainda é bastante controverso. Em setembro deste ano, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) finalizaram o primeiro levantamento nacional sobre a ibogaína. Foram selecionados 75 dependentesquímicos, entre usuários de crack, cocaína, maconha e álcool.
Todos tomaram uma ou mais doses do remédio. O resultado foi animador: 61% dos voluntários largaram a droga — nos tratamentos tradicionais, esse número despenca para 30%. “Pelo que observamos, a ibogaína é hoje a melhor opção contra o vício”, diz o médico Bruno Rasmussen Chaves, um dos autores do estudo.
De acordo com a psiquiatra Ana Cecília Marques, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, trabalhos como esse precisam ser encarados com reserva, pois estão longe de ser conclusivos. Segundo ela, ainda se sabe muito pouco sobre a substância e não é possível fazer alegações sobre sua eficácia. “São necessários anos de pesquisas para confirmar os dados, mesmo que as primeiras evidências apontem para resultados positivos”, afirma.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

PLANTA EFICAZ CONTRA O VÍCIO

Pesquisa brasileira mostra que remédio feito a partir de composto extraído de árvore africana interrompeu a dependência de drogas como crack e cocaína em 72% dos casos

Cilene Pereira (cilene@istoe.com.br)

Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo divulgaram na semana passada resultados animadores sobre a eficácia da ibogaína no tratamento de dependências químicas. O medicamento é produzido a partir de substâncias extraídas da raiz da planta africana iboga. De acordo com trabalho conduzido na instituição, o remédio pode interromper o vício em drogas como o crack, a cocaína, a maconha e também em álcool em 72% dos casos. O artigo sobre a experiência será publicado em dezembro no “The Journal of Psychopharmacology”, importante publicação da área de farmacologia.

                     abre.jpg


PODER
Em muitos casos, foi preciso apenas uma dose
para interromper a dependência em crack


O remédio já é usado no Canadá, na Nova Zelândia e em países da América Central. Ele produz dois efeitos no cérebro. O primeiro é a elevação da concentração de uma substância capaz de criar conexões entre os neurônios e de reparar as que foram danificadas pelas drogas. A segunda é possibilitar a manutenção de quantidades adequadas de compostos cerebrais relacionados à sensação de prazer (serotononina, dopamina e noradrenalina). Dessa forma, de uma vez só, o indivíduo tem melhorado o funcionamento cerebral – antes prejudicado – e redescobre o prazer em outras coisas, e não mais nas drogas.
Na experiência da Unifesp, 75 pacientes (67 homens e oito mulheres) foram acompanhados entre 2005 e 2013. Todos haviam sido submetidos a vários tratamentos antes. “Após receberem a Ibogaína, 55% dos homens e 100% das mulheres se livraram da dependência por pelo menos um ano”, diz o médico Bruno Chaves, um dos idealizadores da pesquisa, coordenada pelo psiquiatra Dartiu Xavier. É um índice significativo, principalmente quando comparado ao obtido com a terapia tradicional, que obtém resultados semelhantes em apenas 5% a 10% dos casos.
Iepag76_droga.jpg
A maioria precisou de apenas uma dose do remédio. O dependente fica internado entre quatro e 48 horas para que receba acompanhamento médico durante a ação da ibogaína. O remédio – que tem sua importação permitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – não é alucinógeno, mas estimula a produção de sonhos.
Foto: Apu Gomes/Folhapress

Uso de substâncias psicodélicas

Ao longo dos anos, muitos estudos ficaram estacionados devido à falta de informação, conhecimento e criminalização. Já foi constatado que o ...